Foi esquisito como tudo se passou
na verdade. Parecia que um filme sobre tudo que tinha acontecido até então
começou a passar em sua mente e, não importasse quantas vezes se repetisse, ela
sentisse, no fundo de sua alma, que havia algo de errado nele.
Ela tirou um tempo para analisar
minuciosamente aquele filme mental que simplesmente não saia da sua mente,
reparou nos personagens secundários, no contexto, no cenário, na lição de moral
que ela tirara para si e a aquela atingida por eles. Ela viu como as situações
vividas foram maravilhosamente cruéis, belamente contraditórias e terrivelmente
necessárias: ela finalmente podia dizer que era SIM uma pessoa forte, que
conseguia SIM passar por dificuldades tanto sozinha quanto com o apoio de
alguém e simplesmente percebeu seu valor como pessoa.
Ao mesmo tempo viu um lado mais sombrio da
humanidade, viu como o ser humano se transforma com a possibilidade de poder,
principalmente com a possibilidade de um poder sobre o outro, viu a
inconsequência, a falta de empatia, aquele descaso em manter a mente a aberta
para a vida e diferentes pontos de vista.
O filme apesar de ser feito apenas por imagens
rápidas também mostrou algumas verdades: o como escolher o caminho mais fácil
nem sempre resulta no sucesso, o como o medo nos bloqueia para seguir nossos
sonhos, o como interesse nem sempre pode se transformar em amor. Na maioria das
vezes escolhemos o que os outros querem porque está mais alcançável, porque o
nosso sonho parece estar dentro de um precipício muito maior do que o da
alternativa na nossa frente. É aquele medo de saltar, mas sabendo que não tem
outra opção além de pular, escolher a menor queda.
Mas ninguém nunca disse para ela o que
aconteceria quando ela saltasse. O sonho não desapareceria da sua mente, ela
poderia estar em queda livre, ganhando velocidade, experiência, mas ficaria só
nisso: nada de antecipar a chegada ao destino final, nada de puxar a cordinha
do paraquedas e aproveitar a viagem até o objetivo. Ia faltar uma sincronia entre seu corpo e
suas emoções, ia faltar uma paixão.
Após perceber tudo isso, os filmes do “ e se?”
começaram a passaram por sua mente: e se ela decidisse voltar para aquela
escolha entre os dois precipícios e pulasse no de seus sonhos? E se ela
continuasse no caminho que escolheu, esquecendo de tudo que refletiu no último
mês?
Ela se lembrou de tudo que sentira quando
mexeu com aquilo que gostava, se lembrou dos personagens e histórias que deixou
de lado para seguir o caminho sem pedras que aparecera na sua frente e se
lembrou de uma lição importante que aprendera durante sua jornada até então:
algumas situações e pessoas entram na sua vida por motivos especiais.
São pessoas e situações importantes, mas que
possuem um prazo ótimo com o qual precisam ser lidadas. Tempo a menos e nada
foi aprendido, tempo a mais e te puxam para baixo.
Então, em 20 segundos de coragem insana, ela
se decidiu. Uma coisa engraçada de sua personalidade era isso: ela refletia,
remoía, analisava e reanalisava toda situação, ficando aflita, tendo noites mal
dormidas até que, em uma epifania resolvia que rumo seguir e seu coração ficava
mais leve e tranquilo, sua determinação inabalável.
Só que não se para um corpo em queda livre
abruptamente, não se faz mudança em um piscar de olho. Enquanto racionalmente
ela sabia disso, sabia que precisa-se dar tempo ao tempo, seu coração batia
agoniado.
O coração tem dessas mesmo: quando percebe
algo, não consegue desperceber. Quando sente que aquele não é mais o lugar do
seu dono, não consegue voltar a tratar tudo como era antes. Ainda mais o
coração dela, que é impaciente, é carente por conforto, é tão sensível aos
sonhos de sua dona que chega até doer.
No final das contas o tempo necessário para
tudo se resolver ia ser doado, a mente - tentando ajudar esse coração
transbordando em necessidade de sentir-se em casa novamente - ia se focar no
que ainda podia ser aproveitado de toda essa experiência.
Foi esquisito como tudo ficou tão claro tão de
repente e como todo o futuro continuava aterrorizante. As vezes a vida é isso
mesmo: nada fácil, extremamente difícil, mas que nos fortalece a cada segundo
que passa. As vezes viver é isso mesmo: sentir medo, sentir o coração pedindo
por algo que você ainda não pode dar e saber que é por sentir tudo isso que
tudo começa se direcionar para o rumo certo.